Sobre migração de carreira e coisas que as pessoas esquecem de mencionar

Anne Glienke
6 min readApr 23, 2021

A primeira graduação que eu concluí foi em Linguística. Depois disso fiz uma graduação tecnológica em Marketing, na expectativa de sair da Academia e entrar no ‘mundo corporativo’. Meu sonho era trabalhar com dados, padrões, descobrir coisas, desde o começo, quando eu ainda estudava Linguística. Hoje eu trabalho com Dados e de vez em quando alguém me pergunta o que eu fiz para chegar aqui.

Tem vários artigos escritos por aí sobre qual formação você precisa ter, trilhas de aprendizado para seguir e até cursos para conseguir um emprego na minha área em poucos meses. Mas não é sobre isso que eu quero falar. É sobre as outras coisas. Aqueles obstáculos e atalhos no meio do caminho que a gente não consegue muito bem identificar.

Observação importantíssima: seria muito irresponsável da minha parte dizer que eu tenho conseguido caminhar em direção à carreira que eu quero sem mencionar que boa parte disso é fruto de privilégio. Eu nunca precisei me preocupar em não conseguir pagar as contas caso eu ficasse desempregada. Eu sempre tive estabilidade suficiente pra estudar e, o mais relevante, assumir riscos. Assumir riscos é o tipo de privilégio que a gente tem e nem nota, e ele acontece quando a gente pode aceitar uma proposta nova de emprego sem medo de não dar certo, ou pode propor alguma alternativa ousada no nosso trabalho sem medo de estar errado e de ficar queimado com o chefe. Então, se as coisas forem diferentes pra você, não seja duro com você mesmo. Meritocracia é uma mentira. Eu espero que algumas das coisas que eu vou sugerir aqui te tragam mais sensação de segurança.

Vamos lá?

Photo by Javier Allegue Barros on Unsplash

É mais fácil começar de onde a gente está

Eu já sabia, quando comecei no meu primeiro emprego em Marketing, que eu queria trabalhar com dados. E eu agarrei todas as oportunidades que surgiram de estudar e ir aplicando o que eu aprendia no meu trabalho. Lá eu tinha ajuda de colegas, gente pra quem pedir feedback, formas de testar se o que eu estava fazendo era relevante. Quando eu não conseguia aplicar no trabalho, ia desenvolvendo projetos pessoais e compartilhando com quem eu conhecia. Com isso eu ia adquirindo experiência e montando meu currículo.

É normal que, em algumas circunstâncias, a gente não consiga aplicar o que está aprendendo no nosso trabalho atual, ou às vezes a gente nem tem emprego. Em ambos os casos:

A gente precisa de mentores

É muito difícil aprender uma coisa nova do zero sozinho. Mesmo. E é por isso que mentoria é essencial pra quem quer mudar de carreira. Um mentor pode ser alguém que trabalha com você e sabe um pouco mais que você sobre a carreira que você almeja e vai te ajudando a se desenvolver aos pouquinhos ou tirando dúvidas pontuais. Pode ser alguém com muito mais experiência que te ajude a traçar um plano macro pra sua evolução. Pode ser alguém que você admira, de uma empresa que você admira, ou um professor de um curso que você gostou. O importante é que seja alguém competente e disposto a entender as particularidades da sua trajetória, da sua história, das suas habilidades. Ah, e pra quem você não tenha vergonha de admitir que não sabe ou não entendeu alguma coisa!

Recentemente eu tenho conversado com amigos que trabalham com engenharia, análise e ciência de dados, desenvolvimento de software, produto, gestores de empresas que eu admiro, outros profissionais que eu acompanho e admiro de outras áreas. Tem muita gente extraordinária, super acessível e disposta a ajudar.

Pra dar um exemplo de algo que me ajudou muito nos últimos meses: eu passei a acompanhar mais de perto pessoas que eu admirava, com quem eu gostaria de trabalhar, no LinkedIn. Depois de um tempo mandei uma mensagem simples dizendo: “Fulano, eu admiro sua trajetória por isso. Queria trocar uma ideia com você sobre carreira em engenharia de dados. Será que a gente pode conversar?”. TODOS me cederam pelo menos meia hora da sua agenda pra uma call ou aceitaram conversar por texto. Eu saí desses papos com ideias incríveis, perspectivas muito diferentes das minhas, dicas de material pra estudo e até uma boa noção de como avaliar se uma vaga tem fit comigo ou não. Com algumas dessas pessoas eu tive conversas pontuais. Outras viraram amigos e nós continuamos trocado figurinhas.

E isso nos leva pro próximo ponto.

Networking nos leva longe

Você já ouviu falar que tem gente que preenche vagas que sequer foram anunciadas? Isso é bem comum. Quem tem grupo de WhatsApp com amigos de empresas em que trabalhou sabe que quando vai abrir uma vaga a gente fica sabendo em primeira mão, antes mesmo de ser anunciado. Nesse momento começa a rodada de indicações. As pessoas indicadas já estão um passo à frente de todos os outros candidatos. Especialmente porque muitas empresas valorizam mais a cultura do que o currículo, o que dá um peso extra pra indicação.

É importante estar presente nessas conversas. Mas como chegar lá?

Eu comecei participando de eventos (meetups, lives) e cursos gratuitos em que desse pra conhecer gente nova, interagindo com posts relevantes no LinkedIn e postando coisas também, fazendo trabalho voluntário quando dava, perguntando por aí sobre os grupos/fóruns de discussão que existem na minha área, e, não posso enfatizar isso o suficiente, mantendo um bom relacionamento com pessoas com quem eu trabalho. Dificilmente as pessoas vão passar 30 anos na mesma empresa. A equipe com que você trabalha hoje vai se espalhar por outras empresas nos próximos anos. Essas são as melhores pessoas para dar depoimentos de quem é você como profissional, porque elas viram de perto. Dê o seu melhor perto delas.

E, conforme a gente vai evoluindo e aprendendo coisa nova com outras pessoas, a gente tem que lembrar do ponto seguinte.

Retribuir a ajuda que a gente recebe é de bom tom

Deu pra perceber que tudo que eu falei aqui é sobre pessoas, né? Elas trazem a gente até aqui e o mínimo que a gente pode fazer em troca é ajudar de volta. Não necessariamente as mesmas pessoas. Pode ser gente que, como a gente, um dia quis mudar de carreira e não soube como. Pra manter o ciclo.

A gente pode fazer isso compartilhando o que a gente aprende, mentorando, tirando dúvidas, fazendo críticas e sugestões construtivas, interagindo com o conteúdo que as pessoas produzem, recomendando elas pra vagas de emprego, ajudando elas a manter o ânimo durante o processo de aprendizado (que pode ser BEM desgastante às vezes), e por aí vai.

E, por fim,

Não dá pra esquecer de atualizar o Linkedin

Isso parece bem simples mas não é. Preencher o CV e manter o LinkedIn atualizado dá muito trabalho. Eu geralmente sigo um roteirinho:

  • Pesquisar posições que eu gostaria de assumir em empresas em que eu gostaria de trabalhar e anotar os principais requisitos.
  • Preencher meu CV com experiências que eu tive que são condizentes com estes requisitos. Os requisitos que eu não tiver, eu priorizo no meu plano de estudo (a menos que seja algo similar a outra coisa que eu já domino). Esse plano de estudo nunca é algo que eu monto sozinha. Peço ajuda dos meus mentores e, quando eu decido acrescentar algo novo, consulto eles pra ver se vale a pena.
  • Adicionar recrutadores de empresas/indústrias/cidades em que eu quero trabalhar e gente da minha área. Isso é essencial tanto pra acompanhar tendências, conteúdo bacana, eventos, vagas, quanto pra que as pessoas vejam a gente e saibam o que a gente anda fazendo.
  • Compartilhar conteúdo. Em geral, eu compartilho tudo que eu aprendo de interessante, coisas que eu demorei pra encontrar na internet, coisas que eu gosto de ver quando os outros compartilham (e meme porque ninguém é de ferro haha). Isso tem muito a ver com retribuir a ajuda que a gente recebe. Invista um tempo nisso.
  • Não ter medo de aplicar pra vaga, mesmo quando eu não tenho 100% dos requisitos (óbvio, não dá pra aplicar pra vaga que a gente não tem quase nada do que é pedido, mas alguns pontos, em geral, são negociáveis).

O mais relevante aqui é: tenha em mente o seu objetivo e seja coerente com ele. Muita gente, por exemplo, quer trabalhar no exterior e não traduz seu currículo ou não compartilha coisa em língua estrangeira. Como o recrutador do exterior vai saber que essa pessoa tem interesse e competência pra assumir um cargo lá fora? Coerência com o objetivo!

Pra terminar, queria compartilhar uma coisa que eu ouvi uma vez e que eu tento ter em mente o tempo todo: nem sempre as pessoas lembram das coisas que a gente faz, mas elas sempre se lembram de como a gente fez elas se sentirem.

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